Sonata para o frango
Mozart estava em Nápoles. Nos melhores dias, costumava comer frango ou um pedaço de assado. Nos outros, contentava-se com um pequeno peixe. Sabemos disso pelas cartas que deixou. Em outra, datada de 05/11/1791, ele escreveu à esposa Constanze: “Domingo, sete horas da manhã. Dormi muito bem, e espero que tu também. Deliciei-me com a metade de um capão que o amigo Primus me trouxe”. Para quem não sabe, capão é um galo castrado. Ou frango.
Quem deu origem ao prato foi um cônsul romano dorminhoco. Farto da cantoria dos galos da madrugada, fez o senado aprovar uma lei que bania a ave de Roma. Para contornar a situação, os criadores passaram a castrar os animais, que, ante à penosa condição, resolveram afogar suas mágoas na alimentação: comiam compulsivamente e engordavam mais. Após o abate, descobriu-se uma iguaria sublime, de carne mais macia e delicada. “Do frango capão a perna, da galinha caipira o peito”, diz certo provérbio popular.
Até hoje, a receita é tradição de Natal em vários lugares, da Espanha ao Nordeste, com pequenas diferenças. Em Portugal, a dieta dos frangos inclui um eventual cálice de vinho doce. Na Itália, é harmonizado com a picante mostarda de Cremona. O capão à brasileira vai ao forno com o corpo repleto de farofa e miúdos, decorado com fatias de abacaxi grelhado. Com ou sem recheio, um excelente assado, e também o “amor de perdição” de Camilo Castelo Branco. O principal, mas não o único, de Mozart.
Aos 7 anos de idade, o maior compositor de todos os tempos já tinha acesso às refeições substanciais da nobreza europeia, em troca de um “pocket show” no teclado. Com 25 anos, a rotina exaustiva como músico independente em Viena – dividido entre concertos, aulas particulares, visitas sociais e hábitos desregrados – começou a minar a sua saúde. Dormia só 5 horas por dia. Se não estivesse ao piano, no teatro ou na farra, estava comendo.
Sopa de mexilhões, faisão, ostras, chocolate. E bebendo: vinho Riesling, que tomava mesmo de manhã, enquanto trabalhava em sinfonias, óperas, corais e companhia; ponche, ocasionalmente; e rum, nas noitadas, obrigatoriamente. Um espírito livre, mas algo destemperado.
Apesar do extenso conteúdo documentado em correspondências particulares, e dos mais de 12 mil títulos escritos após a sua morte, ainda parece intangível desvendar toda a complexidade do personagem histórico, que combina notas díspares de criança obscena e gênio profundo. Como equilibrar, em uma só pessoa, a faceta indecorosa e inconsequente com o prodigioso legado de seiscentas obras, que abrangem todos os gêneros melódicos de uma época?
Obras que foram concebidas, muitas delas, sobre a mesa. Não a de jantar, a adorada mesa de bilhar da sala de Mozart. O irreverente, livre e espetacular. Inspiração para a criação do Mozarteum, fundação e universidade, em 1842; do “Mozartkugeln”, a famosa bolinha de chocolate de Mozart com recheio de marzipã de pistache e nougat, em 1891; e do mais apreciado licor de chocolate do mundo, o “Mozart Gold”, em 1981.
A ideia do chamado “Efeito Mozart”, por sua vez, nasceu na Universidade da Califórnia, em 1993. É o efeito que melhora as funções cognitivas e psíquicas ao se ouvir boa música, porque estimula a produção e liberação de dopamina. Faz bem ao cérebro e ao coração. “Eine Kleine Nachtmusik”, uma “pequena serenata noturna”, na caixa. E frango capão mais um bom rótulo na mesa, por que não?
Frango capão à brasileira
PARA A FAROFA
GUARNIÇÃO
Abacaxi grelhado
PREPARO DO FRANGO CAPÃO
Lavar o frango capão e enxugar. Temperar por dentro e por fora com o suco de limão, sal, pimenta-do-reino e o alho amassado. Deixar apurando nos temperos entre 2 e 3 horas.
PREPARO DA FAROFA
Aquecer o bacon numa panela, juntar os miúdos do frango capão e deixar dourar. Temperar com sal, acrescentar o vinho e cozinhar em fogo brando, até o vinho evaporar e os miúdos ficarem macios. Derreter a manteiga numa frigideira, adicionar a cebola e dourar levemente. Colocar a farinha de mandioca e misturar bem. Juntar os miúdos, a cenoura, a salsinha e temperar com sal e pimenta vermelha. Continuar misturando, até a farinha dourar.
FINALIZAÇÃO
Rechear o frango capão com a farofa e costurar. Besuntá-lo por fora com a manteiga, embrulhar em papel-alumínio e assar em forno previamente aquecido a 180°C (forno médio), por cerca de 1 hora. Retirar o papel e deixar no forno por mais 30 minutos, aproximadamente, para dourar. Servir com o abacaxi.
RENDIMENTO: 6 PORÇÕES
Texto: Fábio Angelini
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