Está escrito na cartilha da Anvisa: fruta seca é o produto obtido pela perda parcial da água da fruta madura, inteira ou em pedaços, por processos tecnológicos adequados. Acontece que, desde épocas imemoriais e especialmente entre os romanos (hoje italianos), era usual o método caseiro para se obter uvas-passas. Basta pendurar os cachos de uva num varal e aguardar de um a dois meses. A fruta seca e desidrata naturalmente, inclusive em ambiente fechado.
A origem das passas é pré-histórica. Um ancestral nosso notou que as uvas caídas, expostas ao sol por longos períodos, ficavam pequenas, enrugadas e agradáveis na boca. A partir daí, foram incluídas no cardápio, fornecendo saúde extra ao homem sem que ele soubesse. Segundo registros arqueológicos, fenícios e persas consumiam e comercializavam as frutinhas oito séculos antes de Cristo.
A trilha das uvas, essenciais à fabricação do vinho, parece ter começado no Oriente e caminhado em direção ao Ocidente. E as passas vieram na esteira, encorpando a dieta de hebreus, mesopotâmicos, árabes e gregos. Integram antigas receitas egípcias de assados e participaram dos banquetes do Rei Salomão. Na alta sociedade de Roma, já carregavam o simbolismo de prosperidade, eram consideradas especiarias e cobertas com pó de ouro.
Porém, muita gente não engole a prática de infiltrar uvas-passas em pratos salgados. De nada adianta polvilhar com o metal mais precioso das galáxias. O gosto individual, preconceito ou hábito não se rendem à exótica mistura. Dizem que o ingrediente “assassina” a salada de maionese e o salpicão, o antepasto de berinjela, o arroz, o pão e o bolo. O assunto é motivo de discussão em várias mesas. Pois do outro lado, há os que acreditam que a passa deixa tudo melhor – entre eles, incontáveis mamães, titias, vovós e cozinheiros do mundo todo. É uma tradição forjada na Antiguidade, que enxergava na doçura uma dádiva, um presente dos deuses.
Tal aversão pode parecer exagerada, mas vá lá, juntar doce com salgado ao mesmo tempo nunca foi unanimidade. Mais difícil de compreender, é alguém que odeie muffin, brigadeiro com nozes, bolo de maçã, rolinho de canela, cookie ou torta de ricota, ungidos pelo toque particular da uva-passa. Aqui, o fator agridoce não conta. Seria, então, uma questão mais sensível de sabor, já que há uvas distintas? As do tipo Thompson sem sementes e as moscatel são as mais requisitadas para fazer passas, havendo nuances de doçura e paladar, diferenças de tamanho e cor. São necessários 3,5 kg de uvas para produzir um quilo de passas. E o resultado é invariavelmente o mesmo: a desidratação dos bagos frescos eleva a concentração de açúcares e potencializa os benefícios nutricionais e terapêuticos das uvas, que são bem consideráveis:
• Ótima fonte de energia, pois estão carregadas de frutose e glicose;
• Bom efeito digestivo e laxante;
• Presença de resveratrol, polifenol que reduz o colesterol ruim e aumenta o bom;
• Outros polifenóis, com propriedades anti-inflamatórias e antibacterianas;
• Cálcio e boro, que melhoram a saúde óssea, e ácido aleanólico, que protege das cáries;
• O antioxidante catequina ajuda a prevenir certas modalidades de câncer;
• Ferro e cobre para combater a anemia;
• O aminoácido arginina ajuda a estimular a libido.
Com toda esta bagagem funcional e versatilidade, seria interessante que as pessoas vencessem ao menos suas barreiras culturais para aproveitar as propriedades naturais das passas. Ainda que consumidas sozinhas, ao menos uma pequena quantidade diária. Agora, se a origem da antipatia culinária se deve às mãos inábeis, de quem faz até um sorvete de passas ao rum dar errado, um pouco de estudo e capricho ajudará.
As brancas, por exemplo, são mais suculentas do que as escuras. Para usar passas em pães ou bolos, o resultado é superior quando elas são previamente hidratadas em água, chá preto
ou sucos de frutas (assim, não absorvem a umidade da massa). Aliás, antes de qualquer receita, lavá-las é essencial para remover impurezas. E atenção na seleção: verifique se as uvas-passas não têm pontinhos de mofo, se estão demasiado secas ou azedinhas – principais queixas de quem recusa o ingrediente. Para doces adultos, tente turbiná-las deixando de molho no vinho, conhaque ou uísque, diluídos em água ou não, durante sessenta minutos. Nos pratos salgados, pode ser uma boa banhá-las rapidamente em água fervente, para crescerem em tamanho e apresentação.
Outra dica: o Brasil não é um grande produtor de uvas, como você sabe. Mas na hora de comprar, também não precisa ser a uva-passa da variedade Rubi Romana, cuja unidade pesa 20 gramas, possui 18% de açúcar e chega a custar 300 dólares: dê preferência àquelas que vêm da Argentina, Turquia, do Chile ou do Irã, e aos convidados que curtem frango com abacaxi, maionese com maçã e salmão com mel e passas. Para não correr riscos.
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