/Por Tânia Nogueira
No centro-norte de Portugal, cercado pelas Serras da Estrela, do Buçaco, da Nave e do Caramulo, está o Dão, região produtora de alguns vinhos mais elegantes da Europa. Isolado e protegido de influências climáticas, ali mal chega o vento úmido do Atlântico ou o ar seco da Espanha.
Os vinhos, assim como as pessoas, permanecem autênticos. Estruturados e persistentes, não carregam nos aromas primários nem enchem a boca de carvalho tostado. Discretos, dizem a que vieram desde o início, mas são capazes de levar décadas para desenvolver todo o potencial.
“A região soube manter o caráter que a distingue, sendo comparada à Borgonha pela elegância e frescura de seus vinhos”, diz Pedro Mendonça, diretor-executivo da Comissão Vitivinícola Regional do Dão (CVR-Dão).
“Os produtores souberam resistir a uma tendência de homogeneização dos vinhos e introdução de castas internacionais, o que destrói a identidade local. Resistimos mantendo castas endógenas como touriga nacional, alfrocheiro, tinta roriz e jaen, e, nas brancas, encruzado, malvasia fina, bical (aqui designada de ‘borrado das moscas’), cerceal ou a uva-cão.”
Peculiaridades portuguesas
A maioria dos 20 mil viticultores no Dão não engarrafa o próprio vinho. Eles estão associados a uma das quatro cooperativas da região ou vendem as uvas. Há cerca de 150 vinícolas que fazem o próprio vinho.
“São vinícolas-butiques que produzem rótulos fantásticos”, diz Mendonça. “São micropropriedades incríveis, mas sem grande capacidade de distribuição.”
A área é uma das mais antigas e tradicionais de Portugal. Foi demarcada em 1908. Segundo Pedro Mendonça, sofreu com a entrada de novas regiões portuguesas no mercado, especialmente depois da adesão do país à Comunidade Europeia, nos anos 1980.
Agora, o consumidor local estaria redescobrindo o Dão, assim como o resto do mundo. “Nossos vinhos gozam de uma imagem de diferenciação e prestígio junto à crítica especializada”, diz.
Esse prestígio se aplicaria até às cooperativas, que oferecem programas de apoio técnico aos viticultores. A denominação de origem tem tintos e brancos de alta gama excepcionais e rótulos de entrada com relação ótima entre preço e qualidade. Além das serras que o cercam, a altitude média de 400 metros e os solos graníticos contribuem para essa qualidade.
Tesouro encoberto
Por natureza, o Dão se esconde. Mesmo quem passa pelas estradas não percebe a presença massiva das vinhas – são 18 mil hectares delas, muitas por trás das árvores e dos bosques. É preciso entrar, conhecer os vinhedos, beber os vinhos e conversar com quem os produz.
Ali, parece que o tempo não passou. Na pequena vila de Santar está o projeto Santar Vila Jardim, um conjunto de seis jardins de solares senhoriais, nos quais as vinhas estão inseridas. Uma iniciativa dos irmãos José Luís e Pedro de Vasconcellos e Souza e do amigo João Ibérico Nogueira, o projeto une viticultura e história.
José Luís é conde de Santar e Magalhães. Em 2013, a família se reuniu com os Ibérico Nogueira e outros vizinhos, entre eles dom Duarte Pio de Bragança, pretendente à coroa de Portugal, para abrir seus jardins-vinhedos ao público.
A visita começa pela Casa dos condes de Santar e Magalhães, onde, no piso inferior, há um pequeno museu, e segue pelos jardins. Muitas vezes, quem a conduz é o próprio conde, um entusiasmado pelo projeto, ou seu irmão, Pedro, enólogo do grupo.
Há vários programas, e a maior parte deles inclui prova dos vinhos feitos a partir dos vinhedos dos seis jardins. Deliciosos, infelizmente esses vinhos não estão no Brasil. É preciso agendar. Agendar sempre é bom.
Até por isso, uma ótima forma de começar um roteiro pelas vinícolas do Dão é visitar, em Viseu, o Solar dos Vinhos do Dão, onde se pode aparecer sem agendamento. É um palácio maravilhoso no qual fica a sala de recepção da Rota dos Vinhos do Dão. O visitante pode fazer uma degustação, comprar garrafas, receber sugestões e ajuda para agendar visitas.
Passado e futuro à frente
Longe de estar parado no tempo, o Dão tem se renovado constantemente. Bastante se investiu em tecnologia, mas o principal é o espírito de inovação cada vez mais presente.
Em 2017, quando o casal Sónia Marques e José Luís Nunes assumiu a Quinta de São Francisco, em São João de Lourosa, próximo a Viseu, decidiu restaurar o Solar do Visconde de Treixeiro, que o pai de Sónia havia comprado em 1996.
Além da parte residencial, reformaram também um antigo lagar do século 18 e começaram a fazer pisa a pé para algumas parcelas. “Não há registros da última vez que esse lagar foi usado”, conta José Luís Nunes.
Na cantina, diga-se, eles têm todo o equipamento moderno. A pisa a pé muda o caráter do vinho. O processo implica uma maior oxidação do que a prensa mecânica e resulta em vinhos mais leves e abertos, com menor concentração de cor.
Muitas inovações acontecem no campo da quinta, mas lá também eles experimentam práticas do passado. Há, por exemplo, videiras em pé franco. O resultado são vinhos muito particulares. “Falam que nossos vinhos são especiais”, diz Nunes. “Acho que eles são nossa interpretação do Dão.”